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O que aprendi assistindo...

Atualizado: 21 de jul. de 2023


Antes de qualquer coisa, é preciso dizer:

Não acho que seja oportuno a todos terem acesso a essas produções por questão de sensibilidade ao tema, maturidade e história de vida. E também porque não é um assunto para ser enfrentado só por curiosidade.


Em um outro momento, falarei especificamente sobre o uso de filmes e séries na formação, até que ponto e em quais circunstâncias podem ser bons ou nocivos, mas por hoje, basta o aviso de que este post não é uma indicação para que todos assistam ao que eu assisti e aqui comento.


A temática dos abusos sexuais e não-sexuais é um assunto delicado, talvez por isso tão evitado e até ignorado. Por sua gravidade, ignorá-lo não deve ser tido como opção, ao menos não para as pessoas de bem.

Eu só assisto essas coisas porque são meu objeto de estudo e trabalho, para eu poder tentar entender melhor as dinâmicas onde acontecem a fim de poder preveni-las e combatê-las. Repito, não é conteúdo para ser assistido por qualquer pessoa ou apenas por curiosidade.


Bom vamos à minha partilha...

Acabei de assistir ao filme Atleta A sobre o escândalo dos abusos sexuais na Federação Americana de Ginástica. Durante aproximadamente 30 anos houve acobertamento onde mais de 50 profissionais foram denunciados por atletas menores de idade e a Federação não fez nada, dizia ter por política só levar adiante as denúncias assinadas pelas atletas, seus pais ou testemunhas diretas.

Esta semana também assisti à série Exame de consciência, sobre os escândalos que acometeram a Igreja na Espanha com a descoberta de décadas de abusos em Colégios Maristas, do fundador dos Legionários de Cristo, de monge na abadia de Montserrat com adolescentes escoteiros...

Há algum tempo, assisti também a filme mexicano, documentários poloneses, minidocumentário brasileiro, outras séries da Netflix sobre essa temática - tanto no âmbito civil quanto em outras manifestações religiosas, quanto na Igreja Católica.

Fechar os olhos não faz essa triste realidade não existir, conhecer mais sobre ela é o que nos permite poder enfrentá-la para extingui-la.



Lições que tirei dessas maratonas?

Duas coisas me chamaram atenção no filme sobre as ginastas americanas:

1. O start de tudo não foi dado pela vítima que é a protagonista do filme, mas por sua técnica, que não tem participação no filme e que apenas é citada pela mãe da vítima: “A técnica dela me ligou e disse que ouviu uma conversa dela com outra ginasta falando que o médico tinha tocado estranho nela (...)”. Depois de falar com a mãe da garota, a treinadora ligou para a vice-presidente da confederação, que era a responsável pelo time feminino para denunciar.


É nosso dever social estarmos atentos e não deixarmos passar indícios de crimes como se não tivessem nada a ver conosco. Se a treinadora não tivesse falado com a família da menina e com a Confederação, provavelmente o abusador estaria até hoje abusando de dezenas de meninas.

2. O médico abusador (mais de 150 ginastas o acusaram, isso porque ele abusou várias vezes de cada uma delas durante seus quase 30 anos de serviços) era tido como o “único adulto legal” com quem elas conviviam no ambiente de treinamento que era cheio de abusos físicos e emocionais.


O abuso sexual é o ápice de uma cadeia de outros abusos, em geral, no ambiente eclesial, o abuso sexual é cometido por quem já tinha cometido abusos de poder e de consciência, no caso das ginastas, o ambiente era abusivo em várias modalidades, então, o médico abusador conseguia atrair as meninas e conquistar a confiança deles por ser considerado o "adulto legal" que fazia brincadeiras, dava lanches e doces não permitidos nas dietas das atletas e quando ele cometia os abusos elas demoravam para identificar com tendo algo de errado ali. Uma das vítimas fala que só quando viu as notícias é que parou para pensar e se deu conta que tinha sido abusada. Esse é um outro ponto que devemos levar em consideração, nem sempre as vítimas tem consciência de estarem sofrendo abusos, mesmo o abuso sexual, por vezes, não é identificado num primeiro momento. Daí a importância do tema não ser um tabu sobre o qual não se pode falar e do tempo da prescrição dos crimes, nas esferas civil e canônica, ser prolongado.

Da série sobre os escândalos na Espanha:

Os abusadores agiram por décadas a partir da negligência das autoridades responsáveis, que só os transferiam de lugar ou que faziam vista grossa porque eles eram considerados bons profissionais.

Quase 30 anos depois, a vida dos meninos abusados ainda está devastada pela violência sofrida na infância e adolescência.


Na série dizem que, em média, a vítima demora cerca de 21 anos para começar a tomar consciência da gravidade do que viveu na infância e da necessidade de denunciar, o que infelizmente acontece quando muitos casos civilmente já foram prescritos e não podem mais ser julgados.

Achei interessante que tem um longo depoimento de um desses abusadores que era professor de educação física e padre no colégio e que ficou sendo transferido de colégio em colégio sempre que havia algum problema, por décadas.

Lógico que existem casos e casos. Mas do que vi, achei bom poder ouvir a história de vida dele (muito abusado a infância toda, no colégio interno e em casa) e interessante observar o modo como ele está tentando lidar com a situação interior dele, achei bom para poder olhar também ao criminoso com o olhar de misericórdia de alguém que precisa de ajuda, não obstantes todos os dispositivos da justiça humana devam atuar.

Do que eu vi nos demais filmes, séries e documentários, a dinâmica dos crimes é sempre MUITO semelhante e, infelizmente, o silêncio dos primeiros a saberem também é recorrente, além de sempre imputarem uma certa desconfiança sobre as vítimas, como se fossem mentirosas ou como se tivessem tido alguma culpa.

Em vez de gastarmos as nossas energias ficando escandalizados com a realidade ou ficar querendo defender a Instituição deixando as vítimas de lado, façamos a nossa parte, estejamos atentos ao nosso redor e disponíveis para acolher, encaminhar e ajudar as vítimas, em primeiro lugar.

A boa fama e glória da Instituição não está em acobertar as mazelas fingindo que não existem, mas em extingui-las para que de fato não existam.

Façamos a nossa parte!


Quem tiver denúncias para fazer, deve procurar os escritórios próprios para esse fim nas Dioceses e Congregações ou o Núcleo Lux Mundi da CNBB/CRB.



Se quiser saber mais sobre o assunto você pode o que já comentei a partir de outras produções:


E o que já postei de resenha de livros explicando:

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