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O chamado à santidade

Atualizado: 21 de jul. de 2023




Transcrição da palestra feita no XVII Congresso de Sistema Preventivo, 25 de setembro de 2022, em Curitiba-PR.



Quem aqui ama Dom Bosco? Quem aqui o tem como inspiração de vida? Tenta imitá-lo? Quem aqui consegue imitá-lo, viver como ele viveu e ser sinal de Deus para as pessoas a sua volta como ele era?


Esse drama do querer e não conseguir é um drama que vivo há muitos anos.


Eu sempre participei, desde criança, de paróquia salesiana, minha família sempre foi muito atuante e sempre tive Dom Bosco como minha grande inspiração, o “da mihi animas”, o apelo urgente do “preciso evangelizar”, fazer as coisas por Deus.... Sempre foram realidades muito presentes.


Eu sempre quis imitar Dom Bosco, ser como ele, mas como ser como ele nas virtudes e santidade eu não sabia nem por onde começar além de buscar sempre confissão, eucaristia e ter devoção mariana, eu ia fazendo as coisas do jeito que dava e imitando ao meu pai e mestre só nas exterioridades, nas poses e nos malabares - que eu aprendi a fazer justamente para tentar, pelo menos em uma coisa, ser imitadora dele.


O meu drama começou a mudar, depois de 2016, quando estudando em Roma eu comecei a ter mais acesso às informações sobre a espiritualidade de São Francisco de Sales, em especial no contato com o livro Filoteia.


Na medida em que fui conhecendo mais os ensinamentos de São Francisco de Sales, parece que todo o caminho que eu buscava para seguir Dom Bosco foi iluminado. O meu drama de hoje não é não saber o que fazer para seguir e imitar Dom Bosco, meu drama é não conseguir, mas isso é só ir tentando, sem parar nas dificuldades e frustrações da vida, que um dia chegarei, é promessa de Deus que “aquele que perseverar até o fim será salvo”!


Filoteia ou Introdução à vida devota é um livro que eu considero genial e necessário por, pelo menos, dois motivos: pela ideia central que ele apresenta como meta e pelo itinerário que ele propõe para alcançá-la.


A meta proposta é a santidade e o autor defende que isso é algo comum a todas as pessoas: o artesão, o militar, a dona de casa, o advogado, o nobre... Todos são chamados à vida de devoção, à santidade. Em 1609, isso não era comum e só passou a ser mais falado na Igreja durante o Concílio Vaticano II - é recente nós termos adolescentes como o Carlo Acutis beatificados ou esposas, mães e profissionais como Gianna Beretta Molla reconhecidas como santas.


Na época de São Francisco de Sales, os calvinistas não pregavam a santidade como algo a ser vivido, para eles havia a predestinação, as pessoas iriam para o céu ou para o inferno independente daquilo que fizessem; e também havia a ideia, na Igreja católica, de que a santidade só era possível aos padres e religiosos, não aos leigos que se deixavam levar pela busca dos bens materiais e dos prazeres da carne.


São Francisco de Sales consegue romper com esses dois opostos e propor uma nova via: a santidade é um chamado para todos! Não importa a condição de saúde, a idade, a vocação específica, condição social... nada importa, a santidade deve ser buscada por todas as pessoas!


Ele diz: "O Senhor, criando o universo, ordenou as árvores que produzissem frutos, cada uma segundo a sua espécie; e ordenou do mesmo modo a todos os fiéis, que são as plantas vivas de sua Igreja, que fizessem dignos frutos de piedade, cada um segundo o seu estado e vocação. Diversas são as regras que devem seguir as pessoas da sociedade, os operários e os plebeus, a mulher casada, a solteira e a viúva. A prática da devoção tem que atender a nossa saúde, as nossas ocupações e deveres particulares." (IVD, I, III).


"...caso uma devoção impeça os legítimos deveres da vocação, isso mesmo denota que não é uma devoção verdadeira." (IVD, I, III).


"É um erro e até uma heresia querer expulsar a devoção da corte dos príncipes, dos exércitos, da tenda do operário e da vivenda das pessoas casadas. É verdade, Filoteia, que a devoção meramente contemplativa, monástica ou religiosa, não se pode exercer nesses estados; mas existem muitas outras devoções adequadas a aperfeiçoar os que as seguem." (IVD, I, III).

Mas se por um lado, naquela época, esse discurso era revolucionário, uma novidade absoluta, muitos de nós hoje já nos cansamos de ouvir isso. A verdade do chamado à santidade já não ressoa tão forte em nossos corações. Como a gente tenta, com boa vontade dar uns passinhos, mas não consegue avançar muito, a gente acaba ficando desencorajado, acreditando que isso é para os outros, para alguns especiais e não para nós TODOS.


O livro, que pode ser considerado um guia de espiritualidade, acompanha o fiel desde o primeiro passo na direção de Deus e o faz de um modo muito pedagógico e progressivo.

Organizado em cinco partes, podemos vê-las como cinco etapas a serem vividas e que podem ter seu centro resumido através de um verbo:


· Parte I – SAIR: Começar a empreender a caminhado rumo à terra prometida da vida de devoção. É o estar perdido no mundo, sem rumo, e descobrir que Deus tem um plano amoroso e de felicidade para cada pessoa, independente de sua condição social, vocação ou capacidades, esse plano amoroso é o convite à amizade dele aqui e por toda a eternidade, é o chamado universal à santidade.


· Parte II – REZAR: Depois de saber do chamado recebido para a união com Deus, é hora de começar a buscá-lo de modo concreto no cotidiano. Essa busca tem êxito quando acontece através da vida de oração. Por outro lado, para se manter na peregrinação rumo à terra prometida, é necessário que haja o maná diário, o alimento vindo do céu, e cada um de nós é alimentado pela graça de Deus nos momentos de oração que temos. Aqui, o autor é muito pedagógico no ensinar ao modo mais frutuoso de viver as práticas devocionais e sacramentos.


· Parte III – FAZER: Nenhum de nós é chamado a uma vida cristã desencarnada, a nossa união com Deus e testemunho de sua graça agindo em nós se dá nas situações cotidianas, por isso nessa parte, a mais longa do livro, São Francisco de Sales vai se deter em falar sobre o agir daqueles que querem ser santos e apresentará elementos para o discernimento das virtudes sobre as quais deve-se ter mais empenho em buscar e dirá também o modo de o fazer. O autor é muito concreto e toca em temas próprias da vida dos leigos daquela época e que hoje são comuns a todos: humildade, obediência, mansidão, pobreza, posse de bens materiais, amizades, paciência, danças, jogos, mortificações, divertimentos, conversas, desejos... Sobre todos esses pontos não haverá da parte do autor nenhuma proibição, ele conduz seu leitor a fortalecer e exercitar o discernimento.


· Parte IV – COMBATER: É só a gente começar a fazer o bem e parece que as forças contrárias começam a se manifestar, na vida espiritual não é diferente, quando começamos a buscar viver com devoção, os combates começar a aparecer, as tentações passam a bater à nossa porta. A visão salesiana apresentada no livro é de que as tentações não são realidades negativas, mas neutras: quando alguém cai em tentação, teve uma experiência muito negativa, mas se a pessoa resiste a tentação e por amor a Deus a vence, então a tentação foi uma realidade muito positiva na qual foi possível amar mais ao Senhor e testemunhar mais a sua graça. Por isso não se deve temer ou desesperar nos momentos de prova, o necessário é aprender a combater direito. Por fim, o autor ainda falará sobre alguns combates específicos como os momentos de inquietação, de tristeza e de aridez espiritual.


· Parte V – RENOVAR: Enquanto vivermos o processo proposto na Filoteia deverá ser renovado constantemente: sempre teremos algum faraó que nos escraviza interiormente para abandonarmos, sempre poderemos rezar melhor, agir mais virtuosamente e combater mais firmemente, por isso é necessário que periodicamente seja feita uma revisão de vida onde os bons propósitos são atualizados às circunstâncias e renovados.


Tanto a parte I quanto a parte V oferecem alguns textos para a meditação e isso é um recurso caro a São Francisco de Sales porque faz parte daquilo que eu chamo de processo salesiano de conversão. O santo não quer que as pessoas simplesmente ajam segundo suas orientações, ele quer que elas sejam racionalmente convictas das verdades de fé que fortalecem suas vontades e impulsionam suas ações. Quem age sem ter clareza de motivação, logo muda o modo de agir e acaba se tornando instável. Enquanto as pessoas conscientes de suas motivações, não obstante todas as contrariedades da vida, se mantêm mais firmes em suas ações de modo coerente com suas convicções.


Tudo isso é importante para nós, filhos de Dom Bosco, porque só temos sentido existir se for para colaborar num projeto de salvação das almas, de santificação do mundo, e a gente precisa ter um mapa do tesouro nas mãos para que conseguirmos chegar lá e ajudar os jovens a chegarem também.


Inúmeras vezes São João Bosco falou do quanto o caminho para a vivência do carisma salesiano passava pela vivência do “espírito de São Francisco de Sales”, essa expressão esteve muitas vezes em sua boca. Um exemplo foi quando ele disse com clareza:

“O único objetivo do Oratório é o de salvar as almas...; por isso esse oratório foi colocado sobre a proteção de São Francisco de Sales, porque aqueles que querem se dedicar a essa ocupação devem ter a esse santo como modelo na caridade, nas boas maneiras que são as fontes de onde derivam os frutos que são esperados da Obra dos Oratórios”.[1]

Se nós queremos ter nossas obras verdadeiramente salesianas, precisamos ter uma busca pessoal de santidade e colaborar para que as outras pessoas também as tenham. Às vezes, a gente para em ficar repetindo frases prontas e não refletimos no como realmente vive-las: “Santidade é alegria”, ok, mas como estar sempre alegres mesmo em meio às contrariedades da vida? “Cumprir os seus deveres”, mas só cumprir ou cumprir frequente, pronta e cuidadosamente – como a descrição de Francisco de Sales sobre o que vem a ser a devoção. “Viver na presença de Deus”, como é isso na prática? É viver dentro das igrejas e quando estiver fora ficar repetindo fórmulas de orações?


Dom Bosco indicava que sempre lessem a Filoteia porque ali estava todo o caminho de santidade vivido por ele e que ele queria q seus filhos vivessem.


Meus irmãos, estamos acostumados a ouvir falar sobre a santidade, mas em São Francisco de Sales nós encontramos o caminho seguro para conseguir dar passos concretos não através de ações exteriores, mas através da reforma do nosso próprio interior. Não é O QUE eu faço, mas COMO eu faço. A devoção é a perfeição da caridade.


São Francisco de Sales não fica falando faça ou não faça algo, mas nos ensina a pensar, a discernir em cada situação da vida sobre quais decisões tomar a fim de que sempre optemos por aquilo que mais nos une a Deus. Ele vai dar elementos para a nossa razão ser esclarecida, para depois a nossa vontade ser fortalecida e então nós sempre escolhermos agir da melhor forma possível em cada situação.


Se nós temos uma Família Salesiana com mais de 50 processos de canonização em menos de 200 anos, se a Igreja teve por tanto tempo a São Domingos Sávio como o santo mais novo a ter sido canonizado, é porque o caminho salesiano é eficaz não só em “chamar para a santidade”, mas em também nos indicar os passos para conquistá-la.


Que São João Bosco, nosso pai e mestre, e São Francisco de Sales, nosso padroeiro, nos ajudem a dizermos o nosso sim cotidiano à santidade que somos chamados a viver.

[1] PEDRINI, Arnaldo, San Francesco di Sales e don Bosco, Roma, 1982, p. 65.

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