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Formar e prevenir, o papel dos leigos na formação ao sacerdócio e à vida religiosa



Kathariana Anna Fuchs é psicóloga e professora na Universidade Gregoriana, de Roma, onde pesquisa e leciona, entre outros assuntos, os relacionados aos abusos na Igreja.


O artigo é organizado em seis tópicos que nos ajudam a adentrar no tema, além de conter uma breve introdução.


De início, a autora faz menção à Conferência Europeia sobre formação e prevenção, onde foi destacado que a formação humana é um desafio prioritário para a Igreja hoje na formação dos seminaristas e sacerdotes. Além disso, na Ratio fundamentalis O dom da vocação presbiteral, é falado sobre ter a cooperação dos membros da comunidade no processo formativo, o que inclui os leigos nessa dinâmica.


Logicamente, os leigos devem ter uma vivência e ética cristã a fim de colaborar diretamente na formação para que ela aconteça cada vez mais como um caminho de santidade para os formandos. 


A proximidade com os leigos junto aos seminaristas pode ajudá-los a, no período em que estão em formação, conhecerem e estimarem os diversos carismas presentes na Igreja, bem como serem edificados pelo testemunho de vida coerente com o evangelho que alguns dos fiéis oferecem.



  1. Os fiéis leigos ao serviço da Igreja


Antes de falar sobre o que os leigos podem fazer, a autora aprofunda sobre o que é a identidade desses fiéis, que segundo Dalmazio Maggi é de modo pessoal “um membro da Igreja no coração do mundo e um membro do mundo no coração da Igreja”, sendo assim, são chamados a viver a santidade na família, no trabalho, na política, nas artes, na ciência... Enfim, a tratarem das coisas temporais e ordinárias segundo Deus.


Buscando o ensinamento do Magistério da Igreja, é apresentado que o Concílio Vaticano II propôs um novo olhar sobre as vocações e a missão dos leigos na Igreja e no mundo, não os considerando como membros à serviço da hierarquia, mas como discípulos de Cristo, chamados a contribuir com a santificação do mundo a partir de dentro.


Ao se referir aos romanos pontífices, é mencionado que São João Paulo II, em seus discursos e audiências, falou muitas vezes sobre os leigos, salientando que o Corpo Místico de Cristo tem necessidade de todos os seus membros para se desenvolver. O Papa Francisco deu sua colaboração relembrando que os leigos “não são fiéis de segunda categoria” e que são chamados a participar do serviço sacerdotal, profético e real de Cristo.


Essa clareza doutrinal acerca da identidade específicas das vocações é importante para que seja possível uma ajuda mútua entre todos e o desenvolvimento próprio de cada um segundo o seu papel. Porém, a falta de sacerdotes em muitas realidades e o compromisso dos leigos na missa, catequese e pastoral fez com que, muitas vezes, fosse passado o limite do que é próprio de cada um.


Nesse contexto, é bom se lembrar do alerta do Papa Bento XVI sobre ter cuidado para não clericalizar os leigos e não secularizar os padres e manter clareza sobre o que é próprio de cada vocação. Por exemplo, aos leigos cabe a participação direta no âmbito da política, sendo Igreja nessa realidade, já os padres não devem se envolver de forma pessoal e direta para que o seu trabalho pastoral em favor da comunhão entre os féis não seja prejudicado. Tudo isso mostra a necessidade de os fiéis leigos terem cada vez mais clareza de que eles são Igreja e que sua presença no mundo permite que a Igreja exerça sua condição de princípio vital da sociedade.


É muito importante que na formação inicial e permanente haja uma reflexão teológica clara para aprofundamento do que é o específico da identidade de cada uma das vocações a fim de favorecer que cada um, clero e povo de Deus, saiba se dedicar a viver na comunidade paroquial aquilo que é o próprio da sua vocação.

 


2. O papel dos fiéis leigos na formação ao sacerdócio


A Igreja, por meio da Congregação para o Clero e do Sínodo sobre os jovens, buscou incentivar a participação dos leigos, incluindo das mulheres, é bom deixar isso claro, no processo formativo dos seminários.


A integração dos leigos na formação colabora para que os candidatos ao sacerdócio cresçam e amadureçam emocionalmente, que sejam mais capacitados para levar uma vida equilibrada, pacificada e centrada em Cristo. Também ajuda os formandos a fazerem uma experiência mais completa no que diz respeito às autoridades não serem apenas figuras sacerdotais e colabora para o testemunho de unidade da Igreja, uma vez que há a colaboração mútua entre as diversas vocações.


É importante que essa presença dos leigos se de com qualidade e estabilidade, não deve ser algo feito de qualquer jeito ou apenas uma iniciativa isolada. Será nessa convivência que muitos seminaristas poderão começar a tocar o que é a vida real com as suas complicações próprias de quem vive buscando seguir a Cristo estando inserido no mundo secular e a realidade das famílias com suas dificuldades específicas.


Outra forma em que os leigos podem colaborar na formação é através do acompanhamento profissional, dessa forma poderão ser superadas dificuldades como o egocentrismo, o clericalismo, o narcisismo e o isolamento.


O Cardeal Beniamino Stella, prefeito da Congregação para o clero, levanta também um outro ponto de atenção: muitas vezes os padres realizam tarefas que são desgastantes por tomarem muito do seu tempo e energia porque eles não são capazes de delegar, de deixarem de ter o controle e de serem protagonistas, mesmo quando são tarefas próprias da missão dos leigos na Igreja.


Uma outra proposta feita a partir da reflexão sobre o papel dos leigos na formação é que eles tenham papel deliberativo através de seus pareceres e opiniões ao longo do processo formativo. Isso poderia ser um meio para favorecer mudanças estruturais que hoje mantém na formação candidatos que não terão condições de viver bem o sacerdócio ou que ficam mudando de um seminário para outro até encontrarem um em que sejam ordenados. O Sínodo sobre os jovens abordou esse tema falando sobre os "seminaristas errantes".

 


3. O papel da mulher na formação para o sacerdócio


Uma outra reforma mais importante ainda seria a de favorecer mais a inclusão de mulheres em todo o processo formativo, seja  durante a formação universitária conjunta, seja na formação pastoral e humana. Isso tiraria os seminaristas de ambiente exclusivamente masculinos e possibilitaria que na convivência com mulheres ao longo da formação eles já fossem preparados para o que será sua vida ministerial nas paróquias.


As mulheres, casadas e não-casadas, podem ensinar aos futuros padres não só coisas relacionadas às suas especialidades profissionais, mas de vida prática a partir de sua visão de mundo, preocupações e responsabilidades.



4. A cooperação com os leigos na formação para a vida religiosa


O mesmo que foi dito quanto à participação das mulheres na formação dos candidatos ao sacerdócio vale para a formação da vida religiosa masculina. E pode ser adaptado para a vida religiosa feminina e a presença dos homens no processo formativo.


Muitas famílias religiosas contam com a presença dos leigos através de seus grupos ligados ao carisma das Congregações, isso é um ponto positivo por favorecer de modo estável a interação entre os homens e mulheres, leigos e religiosos. Também é importante que os religiosos conheçam carismas e instituições diferentes das suas para que assim possam aprender sempre a ter abertura e trabalhar junto com o diferente de si mesmo.

 


5. O papel dos leigos na luta contra o clericalismo e os abusos sexuais


Há quem se preocupe e peça que na formação inicial haja uma educação clara e equilibrada sobre a sexualidade e os limites dos seminários e casas de formação. E que o mesmo vale para a formação permanente dos sacerdotes, religiosos e bispos.


Indo mais afundo no problema, no Encontro de Proteção dos menores na Igreja, em 2019, foi levantado um outro olhar complementar a esse: uma grande semente que costuma dar como fruto situações de abusos é o clericalismo e isso se dá de modo variado e constante na vida eclesial. Desde o começo do caminho vocacional, os seminaristas já são tratados como se fossem diferentes e melhores do que os outros jovens, já são como que glorificados por seu status vocacional e isso é algo prejudicial para eles e para a Igreja como um todo.


Nessa linha, há seminaristas que acham que sua função é a de governar os leigos e religiosos, uma vez que entendem que a autoridade deriva da ordenação e não do realizar, de modo diligente e virtuoso, aquilo que lhes foi confiado.


Ainda que a meta do itinerário formativo do seminarista seja que ele se torne sacerdote, o fato é que até que seja ordenado diácono ele continua sendo leigo, ainda que queira usar vestimentas próprias de identificação sacerdotal.


Um primeiro esforço a ser feito é manter os seminaristas como leigos que são. Essa experiência pode ser favorecida tendo leigos como companheiros de estudos, amigos, formadores, professores...


O clericalismo percebido de modo estrutural e cultural na Igreja foi um fator que favoreceu muito que tenham ocorrido tantos abusos sexuais.


O próprio Papa Francisco tem apontado, com muita frequência e clareza, que o clericalismo é o grande inimigo do ministério ordenado porque no clericalismo há o entendimento de que o ministério é um poder recebido e que deve ser exercido e não como um serviço gratuito e generoso a ser oferecido. Isso causa fechamento do grupo em si mesmo a partir de uma visão excludente das vocações, como se eles próprios já tivessem todas as respostas e não tivessem nada a aprender com as pessoas de outras vocações.


O Cardeal Stella afirmou que se os leigos estivessem mais envolvidos na formação sacerdotal a crise atual da Igreja não teria sido tão grave. Na nova ratio é dito sobre a importância de se ter o máximo de cuidado com o processo de admissão nos seminários levando em conta que isso é um fator de proteção dos menores na Igreja. Também deve-se ter especial atenção ao acompanhamento daqueles que foram vítimas de abusos.


Outra iniciativa proposta é de que no currículo dos seminários devem ser inseridas aulas sobre a proteção dos menores. Na grade de formação inicial e permanente é necessário que haja cursos, oficinas ou jornadas de estudos sobre o tema da prevenção dos abusos sexuais.


Por fim, a autora propõe os seguintes questionamentos para reflexão acerca da necessidade da Igreja de abordar de modo mais explícito e transparente, mais responsável e mais valente o tema dos abusos sexuais de menores:

a) Por que não foi feito nada até agora?

b) Porque a estrutura da Igreja e o sistema hierárquico não foram uma bênção para ela e seus membros?

c) Por que não se aborda o suficiente os temas relacionados com a sexualidade, os abusos, o dinheiro, o clericalismo, a discriminação dos gêneros, o papel das mulheres e dos leigos em geral?


Todos os membros da Igreja deveriam se sentir impulsionados a criarem comissões com leigos, religiosos e clero para trabalhar a transparência da Igreja.

 


6. Perspectivas e conclusões


Em muitos lugares do mundo, a formação dos futuros sacerdotes, religiosos e leigos esteve separada e isso prejudicou muito a vida da Igreja, causando dificuldades e problemas, inclusive com relação ao abuso sexual de menores e a gestão dos casos.


Com relação à formação, à colaboração na vida cotidiana e à prevenção dos abusos sexuais, a participação dos leigos pode colaborar muito com a vida da Igreja, favorecendo que todos caminhem juntos como povo de Deus e na prevenção dos abusos sexuais.


É pela vivência da sinodalidade que a Igreja, em seus diversos níveis:  regional, nacional, diocesano... poderá ser transformada.

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