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"Fazei tudo por amor, nada por força!"

Atualizado: 21 de jul. de 2023




Transcrição da palestra feita no XVII Congresso de Sistema Preventivo, 25 de setembro de 2022, em Curitiba-PR.


O amor é o centro de toda a experiência espiritual salesiana.


Partimos por amor e permanecemos no amor, para chegarmos ao Amor. Partimos porque nos sentimos amados e queremos corresponder a esse amor. Permanecemos ao longo do caminho para mantermos a nossa experiência de amor. Temos como meta final alcançarmos o Amor.


Francisco de Sales, quando jovem estudante, teve uma grande crise, chegou a ficar adoentado por pensar que era predestinado ao inferno. Ele só venceu essa dificuldade quando se confiou a Maria e passou a pensar que independente do que fosse o futuro dele, a única resposta que ele daria a Deus seria de amor. Um pouco depois, ele teve contato com as explicações de um padre sobre o livro de Cântico dos cânticos e então viu que fazia todo o sentido enxergar a relação do homem com Deus como uma relação de amor, assim como a dos casais. A partir daí, Francisco, cada vez mais, via o amor como o centro de todas as coisas. O amor é o que direciona, o que fortalece, o que realiza.


Na relação com Deus, nós aprendemos que a experiência de amor só é verdadeira se acontece na liberdade. Deus prefere correr o risco de nos perdermos por sermos livres, do que nos tirar a liberdade para que façamos a coisa “por força”, “por fazer”, “porque não tem outro jeito”. Por isso, a experiência salesiana que tem por base o amor é acompanhada do “nada por força”, do “espírito de liberdade”, nas palavras de São Francisco de Sales.


A expressão usada como tema da Estreia 2022 foi tirada de uma carta de Francisco de Sales para Santa Joana de Chantal. É uma carta longa onde, depois de dar inúmeras orientações sobre as práticas de oração que ela deveria fazer diariamente, ele diz:

“Porém, se estiver satisfeita com as orações feitas até agora, vos peço, não as mude; e se omitir algo daquilo que digo, não tenha escrúpulo, pois a regra da nossa obediência, escrita em letras grandes, é a seguinte: É PRECISO FAZER TUDO POR AMOR E NADA POR FORÇA. É PRECISO AMAR MAIS A OBEDIÊNCIA DO QUE TEMER A DESOBEDIÊNCIA. Deixo-vos o espírito da liberdade, não aquele que exclui a obediência, que é a liberdade da carne, mas aquele que exclui a coerção, o escrúpulo ou a solicitude imoderada. Se você ama fortemente a obediência e a submissão, quero que, quando tiver uma ocasião justa ou caridosa, para deixar as práticas, considere isso como uma espécie de obediência e que as supra com amor.”

Vejam, ele apresenta as práticas devocionais que considera adequadas, mas as submete ao juízo de Joana, que já tem outras práticas e que caso esteja satisfeita com elas, não precisa aderir às novas; Francisco de Sales submete tudo à liberdade de quem deve vivê-las e de modo algum impõe suas opiniões se valendo de sua autoridade espiritual.


No trecho é desconcertante perceber a orientação dada como remédio contra a tendência aos escrúpulos que poderia ser lido assim: “Você tem tendência a ser muito rigorosa? Então, por caridade é bom que algumas vezes você 'desobedeça' às suas regras.” Esse tipo de orientação é impensável se imaginada na boca da maioria dos diretores espirituais!


A carta continua tratando mais detalhadamente o tema da liberdade. O autor diz que ela pode ser de dois tipos:

- Uma é necessária à salvação: para se distanciar do pecado mortal e não ter afeto pelas ações que conduzem a ele. Mas não é dessa que Francisco quer falar com Joana. Ele próprio esclarece: “A liberdade de que falo é a de filhos muito queridos. Em que consiste? Em um desapego do coração cristão de todas as coisas para seguir a reconhecida vontade de Deus.”


E apresenta a oração do Pai-nosso como onde são feitos os pedidos que resumem o espírito de liberdade, a saber: Santificado seja o Vosso nome, venha o Teu reino e seja feita a Vossa vontade. “Tudo isso nada mais é do que espírito de liberdade, porque enquanto o Nome de Deus for santificado, que Sua Majestade reine em nós e que a sua vontade seja feita, o espírito não se preocupa com mais nada.”


E como saber se o nosso coração possui o espírito de liberdade? A partir da presença de dois sinais que o atestam em um coração livre:

1. Não se apega a consolações e recebe os castigos com doçura (o quanto for possível);

2. Não se apega emocionalmente aos exercícios espirituais. Importa amar, independente se realizando ou não os exercícios previamente determinados.


Todo o ensinamento de São Francisco de Sales é sempre muito concreto e nessa carta não é diferente, ele esclarece sobre a motivação, sobre o que é e sobre o modo de crescer na vivência da virtude proposta. Ele diz que a oportunidade de demonstrar essa liberdade são todas as situações que acontecem contra a nossa vontade. Ou seja, toda contrariedade cotidiana que toque à nossa história é uma oportunidade única de crescermos no espírito de liberdade.


Além de saber os sinais e oportunidades para essa vivência, é igualmente importante conhecer os defeitos que se opõe a ela para que possam ser trabalhados até que sejam extintos. Os dois defeitos são:

-A instabilidade ou capricho: que consistem num excesso de liberdade onde a pessoa muda suas resoluções conforme o vento, sem nem mesmo saber se é vontade de Deus;

-A coerção ou servidão: onde há uma falta de liberdade e a pessoa demonstra grande irritação quando não faz aquilo que tinha se proposto a fazer, mesmo que o impedimento para fazê-lo tenha sido alguma necessidade urgente motivada pela caridade.


Para combater a esses dois defeitos são duas as ações terapêuticas propostas:

-A primeira é de nunca abandonar um exercício de virtude sem ter certeza de ser a vontade de Deus ou que a mudança de plano está sendo feita por caridade;

-A segunda, quando for necessário, deve-se usar a liberdade por caridade, pelo bem dos outros, não de si próprio.


Citando alguns exemplos de pessoas de virtude reconhecida publicamente, o santo diz que devemos ser flexíveis e livres diante das circunstâncias, mas o quanto possível, austeros conosco mesmos e que “essa liberdade nunca prejudica as vocações; pelo contrário, faz cada um feliz com o seu chamado, pois todos devem saber que é a vontade de Deus que permaneçam nele.”


Me valendo do pensamento do Reitor Mor durante a Consulta da Família Salesiana (2022), ouso dizer: Passou o tempo do agir por força!


“Passaram-se para nós os tempos do ‘somos bons se somos fortes’. Para mim, os tempos são outros. Hoje, neste mundo, a nossa fortaleza vem disto: simplicidade, simpatia, serviço, casas abertas, proximidade. Creio que essa força é maior do que a força dos grandes do mundo. Colocar as energias em ser forte, eu penso que não serve para nada e a vida o tem demonstrado, os tempos são outros, não é mais o tempo dos anos 65, 70, 75... É a reflexão que faço ouvindo os mestres e lendo São Francisco de Sales. É a primeira parte do ‘boa-noite’”.[1]


Mais do que nunca, meus irmãos, é tempo de agir sempre por amor e em liberdade, só assim viveremos uma autêntica santidade, como nosso pai, Dom Bosco, nos deixou indicado como caminho.

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