Em 2016, o melhor filme conforme a premiação do Oscar foi "Spotlight". Por tratar do tema dos abusos na Igreja, alguns podem se enganar e achar que é um filme contra a Igreja.
É verdade, o assunto é chato, constrangedor e doloroso, mas falar sobre ele é um mal tão necessário quanto uma injeção o é para a cura de alguma doença: incomoda e dói, mas é necessário e cura, é o caminho mais eficiente para se livrar de um mal, no nosso caso, dos abusos que acontecem em ambiente eclesial.
Assistir filmes, ver entrevistas, ler sobre os casos e conversar com as vítimas, sem dúvidas, são atitudes recomendáveis àqueles que têm a sorte de não terem sido atingidos por tamanha mazela para que tomem conhecimento de como as coisas acontecem e saibam colaborar para que se instale uma cultura de prevenção em contraposição à cultura de abusos já consolidada.
Nesse sentido, assistir o filme SPOTLIGHT pode ajudar cada um a adentrar aos poucos nessa chocante realidade.
Vale a pena assistir ao filme que foi recomendado no jornal oficial do Vaticano e pelo arcebispo responsável pelas investigações dos casos de abuso no Chile (e que tem cargo de destaque na Doutrina da Fé no combate aos abusos).
Tendo assistido ao filme, partilho com vocês algumas reflexões que fiz:
1. As transferências dos abusadores não resolvem o problema
A grande descoberta dos jornalista retratada no filme foi de que a Arquidiocese de Boston tinha como procedimento padrão, diante dos casos e denúncias de abusos sexuais, a transferência dos padres de seus postos de trabalho, os mudava de paróquia, de região, e não tomava nenhuma providência concreta para que mais abusos não fossem realizados nesses novos lugares.
Quando os abusadores reincidiam em seus erros, eram novamente transferidos.
2. A interferência institucional para defender o erro não é justiça
O filme mostra que nos casos de Boston houve interferência da Igreja no buscar que documentos do processo não chegassem ao conhecimento público; no não levar os casos para a justiça, mas mantê-los sempre num âmbito mais privado com acordos diretos entre os advogados das vítimas e da Igreja; no fazer acordos com cláusulas de sigilo e na realização de manipulação de dados.
Agir desta forma fere a identidade da Igreja enquanto defensora da Verdade e da Justiça, por isso são atitudes reprováveis.
3. Romper a espiral do silêncio é doloroso, mas necessário
Com a publicação da reportagem especial sobre a obscura realidade da Arquidiocese de Boston, na própria Arquidiocese, nos Estados Unidos e até mesmo em muitos outros países começaram a aparecer denúncias de abusos sexuais que tinham sido realizados por padres.
Para combater esse mal não basta rezar, é necessário afrontá-lo com verdade, justiça e caridade.
Falar sobre o assunto é um primeiro passo de prevenção e combate.
4. Acolher, ouvir e aprender com as vítimas
No filme, o personagem líder da associação das vítimas conta a dinâmica relacional em que se deu o abuso que ele sofreu e diz que o abusador foi rompendo, pouco a pouco, com os limites da intimidade entre eles através de pequenos abusos morais e espirituais, brincadeiras, piadas e pornografia, até que o abuso sexual acontecesse de fato.
Amizade é uma coisa, relacionamento de proximidade é uma coisa, desrespeito, manipulação e abusos morais são outra bem diferente e abrem as portas para os abusos sexuais.
APRENDIZADO:
Não existe combate aos abusos onde a prioridade é a defesa de uma instituição e não das vítimas.
Todos os que sofreram abusos têm direito a serem acolhidos e ouvidos, têm direito à reparação moral e financeira, devem receber um pedido de perdão e o auxílio necessário para superarem o trauma psicológico e serem acompanhados na restauração de seu caminho com Deus.
Abusadores devem ser denunciados, investigados e julgados. Devem ser tratados com misericórdia, sim, mas precisam ser afastados para que mais casos não aconteçam.
É MUITO IMPORTANTE QUE:
denúncias aconteçam;
o assunto não seja tido como tabu;
as vítimas se sintam acolhidas e amparadas - não culpadas;
os processos aconteçam de modo ágil;
os abusadores sofram as penas justas;
no processo de formação inicial e permanente (durante o tempo de seminário e exercício do ministério sacerdotal) haja formação específica sobre essa temática; e que
QUE TODOS SE SINTAM CORRESPONSÁVEIS NA PREVENÇÃO, COMBATE E DENÚNCIAS DOS CASOS DE ABUSO EM AMBIENTE ECLESIAL.
Assistam ao filme!
Leiam e compartilhem este post, pode ajudar alguém.
Quem tiver denúncias para fazer, deve procurar os escritórios próprios para esse fim nas Dioceses e Congregações ou o Núcleo Lux Mundi da CNBB/CRB.
Se quiser saber mais sobre o assunto você pode o que já comentei a partir de outras produções:
E o que já postei de resenha de livros explicando:
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